EU PREFIRO FEIJÃO, VACINA E EDUCAÇÃO

Queremos uma sociedade armada ou bem alimentada?

No final de agosto, o presidente do Brasil, em meio a uma das mais graves crises econômicas e sociais enfrentadas pelo país, deu mais uma declaração polêmica.

“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Aí tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”. [1]

Em resposta ao comentário perverso do nosso presidente nos últimos dias acerca do aumento dos preços nós respondemos: Eu prefiro feijão, vacina e educação.

Para explicar um pouco melhor sobre a gravidade da situação econômica brasileira atual, resolvemos esquematizar o texto com os dados de desemprego e inflação. Nossa intenção é te ajudar a entender porque alguns preços estão tão altos no Brasil, mesmo com alto índice de desemprego e a renda da população tão baixa.

Em agosto, o IBGE divulgou a estimativa da população brasileira: 213,3 milhões de habitantes[2], ou seja, houve um crescimento de 0,74% em relação ao ano de 2020 (211,7 milhões). Enquanto isso, o Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UnB), sugere que, durante a pandemia da COVID 19, cerca de 59% dos domicílios entrevistados[3] apresentaram uma situação de insegurança alimentar. Boa parte diminuiu o consumo de alimentos importantes para a saúde, tais como frutas e carnes (por conta da queda da renda e não devido a uma consciência em prol dos animais).

Além disso, os domicílios das regiões Norte e Nordeste apresentaram um grau de segurança alimentar menor que as demais regiões do país.

Em relação ao gênero, domicílios chefiados por mulheres sofrem o dobro de insegurança alimentar grave (25,5%), enquanto nos domicílios chefiados por homens o percentual é de 13,3%. Ao contrário, a segurança alimentar é maior nos domicílios cujo responsável é uma pessoa de cor branca (51,1%), sendo menor a incidência de segurança alimentar quando o responsável é de cor preta (33,2%) e parda (32,2%).

Esses dados estão em consonância com informações da PNAD[1] que indicavam o aumento da insegurança alimentar no Brasil em 2017 e 2018. Segundo a PNAD, dos 68,9 milhões de domicílios no Brasil, 36,7% estavam com algum grau de insegurança alimentar, atingindo 84,9 milhões de pessoas. Apenas 43,0% dos domicílios do Norte e 49,7% do Nordeste tinham acesso a uma alimentação regular. Além disso, mais da metade dos domicílios com insegurança alimentar grave eram chefiados por mulheres (51,9%).

DESEMPREGO

A PNAD divulgada no final de setembro mostrou que o desemprego atingiu 14,1 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2021 (a taxa de desemprego foi de 13,7% no trimestre fechado em julho). Vale lembrar que o trabalho por conta própria atingiu o patamar recorde de 25,2 milhões de pessoas. Esses trabalhadores autônomos não possuem vínculo empregatício nem direitos trabalhistas o que contribui para aumentar o grau de insegurança das famílias, além de reduzir a contribuição previdenciária que sustenta, além do assistencialismo, também o SUS.

INFLAÇÃO

A inflação, medida pelo IPCA – 15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15) subiu 1,14% em setembro, acumulando altas de 7,02% no ano e de 10,05% nos últimos 12 meses. Isso se deve, em grande parte, ao aumento nos preços dos transportes, por conta do preço dos combustíveis (gasolina, etanol, gás veicular e óleo diesel)[2] e da energia elétrica.

Por que a gasolina está tão cara?

Bom, o preço da gasolina é influenciado pela atual política de preços da Petrobrás (reajustes nas refinarias através do PPI – Preço de Paridade de Importação). Com isso, o dólar, os preços no mercado internacional e o aumento dos biocombustíveis influenciam os custos e quem paga a conta no final é o consumidor.

É importante lembrar que a política de preços na Petrobrás sofreu uma mudança em 2016 com o PPI. O preço do petróleo passou a depender do valor do barril do petróleo, ou seja, das decisões da OPEP[3], das cotações do dólar, dos custos de transporte e da margem imposta pela companhia para evitar prejuízos E aí o consumidor passou a pagar a conta já que a política de preços da Petrobras passou a privilegiar os interesses dos importadores e das refinarias estrangeiras, principalmente das norte-americanas.

Voltando ao IPCA, chama atenção também o aumento do grupo alimentação e bebidas (1,27%). Provavelmente vocês já repararam o quanto os itens no mercado estão mais caros. A alimentação fora de casa também está cada dia mais cara. Com a alta no preço dos alimentos e do gás, os custos dos restaurantes aumentam. Assim, a conta para o cliente fica cada vez mais cara o que acaba aumentando a chance de os negócios fecharem.

Mas, afinal qual é o motivo para o alto preço dos alimentos? O modelo do agronegócio privilegia a exportação em detrimento do abastecimento do mercado interno, ou seja, do consumo das famílias[4]. Enquanto a fome bate à mesa de milhares de brasileiros, o Brasil, o quarto maior produtor de grãos no mundo, é responsável por 19% do mercado internacional, segundo estudo da EMBRAPA. A desvalorização cambial também contribui para aumentar a exportação dos alimentos já que o preço fica mais competitivo lá fora.

Enquanto as exportações dos alimentos agrícolas aumentam, o consumo das famílias no Brasil não cresce. Em setembro, o IBGE divulgou o PIB do segundo trimestre de 2021. A variação foi de – 0,1% em comparação com o primeiro trimestre. Chama atenção também o consumo das famílias que não variou no trimestre, ficando em 0,0%, enquanto a exportação teve uma alta de 9,4% o que corrobora a hipótese de que o agronegócio privilegia a exportação e não o mercado interno. Além disso, o governo não parece muito interessado em estimular o consumo das famílias através do aumento do valor do auxílio emergencial e da geração de empregos via investimento público e aumento dos gastos do governo. Como mencionamos em textos anteriores, e a equação do PIB demonstra claramente, uma política fiscal contracionista acaba por agravar a crise econômica e social do país, diminuindo a renda das famílias e aumentando o desemprego.

CRISE HÍDRICA E DESMATAMENTO

Para piorar ainda mais a situação econômica, o país passa por uma grave crise hídrica. No dia 31 de agosto, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) anunciou a criação de uma nova Bandeira para conta de luz: a bandeira de escassez hídrica. Um dos motivos para o constante aumento da conta de luz é a crise hídrica que o Brasil vem enfrentando há alguns anos. Com a diminuição das chuvas, o nível dos reservatórios das hidrelétricas diminui. Consequentemente, as usinas termelétricas são acionadas para garantir o fornecimento de energia, o que encarece a conta de luz. Sem falar no impacto ambiental, afinal, as usinas termelétricas produzem energia elétrica a partir da queima de carvão, óleo combustível ou gás natural (combustíveis fósseis), que contribuem para a poluição ambiental.

O sistema de bandeiras tarifárias foi criado em 2015 pela Aneel com o objetivo de medir os custos variáveis da geração de energia elétrica. Além da nova bandeira tarifária chamada Escassez Hídrica que custará R$14,20 a cada 100 quilowatt-hora consumidos, existem 3 modalidades: verde, amarela e vermelha. Quando as chuvas diminuem e as termelétricas são acionadas, o custo sobe e adotamos a bandeira amarela ou vermelha. Se os reservatórios estão cheios, as termelétricas não são utilizadas e a bandeira utilizada para precificação é a verde[5].

Junto a isso, o ministro da economia Paulo Guedes questionou o motivo de tanta preocupação com o aumento da conta de luz… “Qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara?” Para piorar, o governo não parece muito interessado em fortalecer as políticas ambientais[6].

Inflação alta, desemprego, queda da renda média do trabalho[7], pandemia, aumento da violência e da fome. Não está fácil viver no Brasil.

[1]https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/08/27/bolsonaro-chama-de-idiota-quem-diz-que-tem-que-comprar-feijao-tem-que-todo-mundo-comprar-fuzil.ghtml

[2]https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/31461-ibge-divulga-estimativa-da-populacao-dos-municipios-para-2021   

[3] https://www.lai.fu-berlin.de/pt/forschung/food-for-justice/publications1/Publikationsliste_Working-Paper-Series/Working-Paper-4/index.html?fbclid=IwAR3qqpHS6KK3SwTUVG6lCyCp1XObWYLOOmAn4nR8NQlI2xgENAUZ3t6gus0

[1]https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28903-10-3-milhoes-de-pessoas-moram-em-domicilios-com-inseguranca-alimentar-grave#:~:text=Dos%2068%2C9%20milh%C3%B5es%20de,alcan%C3%A7ando%20seu%20patamar%20mais%20baixo.

[2]https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/31583-inflacao-fica-em-0-87-em-agosto-maior-para-o-mes-desde-2000

[3]https://www.brasildefato.com.br/2021/04/29/artigo-pelo-fim-da-politica-de-paridade-com-os-precos-de-importacao-de-combustiveis

[4] https://www.brasildefato.com.br/2021/08/24/alta-no-preco-dos-alimentos-e-consequencia-do-agronegocio-diz-porta-voz-do-greenpeace

[5] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-07/agencia-brasil-explica-como-funcionam-bandeiras-tarifarias

[6] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56825520

[7] https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/09/24/renda-media-do-trabalho-encolhe-e-e-a-menor-desde-2017.ghtml

 

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Tassia Gazé Holguin é economista com mestrado em saúde coletiva pela UFRJ e doutorado em economia pela UFRJ.
Atualmente, trabalha na coordenação das Contas Nacionais no IBGE, sendo uma das responsáveis pela Conta Satélite de Saúde.
Tem experiência na área de economia da saúde.

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Natassia Nascimento, graduada em Ciências Econômicas pela UFRJ, Mestrado em Economia pela UFF. Atualmente é Doutoranda em Economia pelo Instituto Economia da UFRJ. Tem experiência na área de Economia do Setor Público, com ênfase em Economia dos Programas de Bem-estar Social, atuando principalmente nos seguintes temas: tributação da riqueza, desigualdade, estrutura tributária, imposto sobre a riqueza e distribuição de renda.