O Censo serve pra muito mais do que apenas sabermos se somos filhos do Carnaval..
Você sabe o que é o CENSO? Há quanto tempo ele vem sendo realizado e para quê serve? Vamos responder a essas perguntas hoje e mostrar a importância do Censo e as consequências de não o realizar.
O Censo Demográfico (ou recenseamento) constitui a maior e principal pesquisa social em nosso país. Sua operação, definida por Lei, envolve todos os domicílios brasileiros ao mesmo tempo, em todo o território nacional. É uma pesquisa complexa e de extrema importância para a formulação de políticas no Brasil. Seus resultados orientam políticas públicas, fundamentais para a definição de objetivos e prioridades para o desenvolvimento (investimentos em educação, saúde, habitação ou transportes, medidas de combate ao desemprego, melhoria das condições de habitação, distribuição de fundos a nível regional e local); no planeamento regional e urbano (localização de escolas, hospitais, vias de comunicação, fábricas, etc.), e superação de problemas sociais e redução das desigualdades.
Um pouquinho da História do CENSO.
A primeira notícia de que se tem de uma estatística geral da população brasileira data de quando Dom João VI resolveu fugir de Napoleão e vir para o Brasil (1808). À época, três estatísticas diferentes e pouco confiáveis estimaram que o Brasil teria em torno de 4 milhões de habitantes. Em geral, as pesquisas eram feitas por motivos religiosos ou para atender a interesses militares.
Já no final do Império, um trabalho elaborado para a distribuição na Exposição Universal de Paris registrava que o Brasil teria aproximadamente 12 milhões de habitantes, sendo 1,4 milhões de escravos, 10 milhões de habitantes livres e 500 mil indígenas. (Souza e Silva, 1986)
O primeiro Censo feito oficialmente no país data de 1872 e contabilizou 10,1 milhões de habitantes. As questões eram basicamente sobre a cor, sexo, estado livre ou escravos, estado civil, ocupação e religião. Com a proclamação da República em 1889, houve o decreto para haver um novo Censo no ano seguinte, 1890, e daí em diante a cada dez anos. Este novo Censo também continha novas informações da população, tais como: nome, idade, defeitos físicos, número de filhos, nível de escolaridade e renda, dentre outros. Embora mais metodologicamente organizado, este Censo demorou quase 10 anos para ser divulgado devido às dificuldades estatísticas e não-modernização dos equipamentos da época. Finalmente, em 1900, saiu o resultado: 14,3 milhões de habitantes, sendo 7,2 milhões masculinos e 7,1 milhões femininos.
O censo de 1900 ocorreu sem maiores complicações, calculando 17,4 milhões de habitantes, sendo 800 mil na capital federal da época, o Rio de Janeiro. Já o Censo de 1910 foi cancelado, especialmente devido ao momento agitado pelo qual o país passava, com a Revolta da Chibata, Guerra do Contestado e Revolta do Juazeiro.
O Censo de 1920 contou com a novidade de um equipamento mecânico para apuração dos inquéritos, facilitando assim os trabalhos dos funcionários, e com a inclusão da situação econômica de algumas localidades, como a produção agrícola e a indústria da região. No entanto, foram retiradas as perguntas sobre cor e religião dos 30,6 milhões de habitantes. Apesar da periodicidade decenal, o Censo de 1930 também não ocorreu, pela própria Revolução de 30 e por motivos econômicos, consequência da crise de 1929.
O Censo de 1940 foi o primeiro realizado pelo IBGE, criado em 1938, e assim segue até hoje. Este Censo, além de incluir agricultura e a indústria como o anterior, também acrescentou às suas pesquisas levantamento sobre comércio, transportes e comunicações. As perguntas referentes à cor e religião voltaram e também foram incluídas informações sobre propriedade imobiliária e previdência.
Houve intensa campanha para incentivar a população a responder o Censo. Devido à Segunda Guerra Mundial, o maquinário encomendado não chegou e os dados foram processados nas mesmas máquinas usadas em 1920, o que atrasou a divulgação dos dados. Por fim, foram contabilizados 41,2 milhões de habitantes.
De acordo com o próprio IBGE, o Censo de 1950 sofreu uma redução de 45 para 25 quesitos a serem respondidos. Foram suprimidas questões referentes à deficiência, data de fixação de residência dos estrangeiros, propriedades, idade em que se teve o primeiro filho, perguntas sobre instrução dos recenseados, dentre outras. Divulgada em dois anos, a pesquisa contabilizou 52 milhões de habitantes e passou a seguir as diretrizes internacionais da ONU e pelo Instituto Interamericano de Estatística.
Vale lembrar que a capital mudou do Rio de Janeiro para Brasília em 1960, ano do novo recenseamento. Era importante ter informações específicas sobre a nova sede do país e sua população. O Censo de 1960 incluiu perguntas específicas referente aos tipos de domicílios no país, como o número de moradores, a forma de abastecimento de água, instalações sanitárias, combustível do fogão, número de cômodos e a existência de iluminação elétrica, rádio, geladeira e televisão, além da característica se o domicílio ficava em área urbana ou rural, contabilizando um total de 70 milhões de habitantes, não incluindo os brasileiros residentes no exterior.
Para o Censo de 1970 a principal novidade foi incluir na pesquisa domiciliar a pergunta referente a automóveis e incluir os brasileiros em exercício de missão diplomática ou militar no exterior. O Censo deste ano contou com a publicidade de Pelé, justo no ano em que o Brasil conquistava o tricampeonato na Copa do Mundo. A população residente registrada foi de 93,2 milhões. Para o Censo de 1980 a primeira grande inovação foi o desenvolvimento de um sistema informatizado de acompanhamento de coleta, pelo qual era possível saber, a cada semana, o número de setores concluídos (demográfico, agropecuário, industrial, etc) e de pessoas recenseadas. Também foi a primeira vez em que resultados preliminares foram divulgados no mesmo ano da pesquisa, contabilizando 119 milhões de pessoas.
O Censo de 1990 só ocorreu em 1991 porque a autorização para contratar os servidores temporários demorou a sair. Foi a primeira vez que o Censo considerou perguntas sobre deficiências físicas e mentais. Nos quesitos dos domicílios, houve a introdução da quantidade de banheiros, destino do lixo, linhas telefônicas, filtro e água, freezer, máquina de lavar e aspirador de pó. Foram contabilizados 147 milhões de habitantes e a grande novidade tecnológica foi a divulgação dos dados em disquete (supermoderno)!
O Censo de 2000 foi o 11º realizado no país e teve a consolidação dos dados entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile através do Projeto Censo Comum do Mercosul, visando a padronização dos conceitos e classificações para criar uma base de dados comum entre os países. Os indígenas foram contabilizados em suas terras e também os tripulantes de navios e aeronaves que no momento estavam fora do país. Este Censo contou com a participação da Internet capturando e divulgando os dados, além de palmtops para a coleta. Foram contabilizados 170 milhões de habitantes.
O Censo de 2010 foi gigantesco. Para realizá-lo foram necessárias quase 250 mil pessoas distribuídas nos mais de 5 mil municípios brasileiros com orçamento total de R$1,4 bilhão. Este Censo teve seus questionários em papel totalmente substituídos pelos palmtops que agora também estavam integrados aos mapas digitais da cidade, equipados com GPS. Assim, foram contabilizadas 191 milhões de habitantes.
Em relação ao Censo de 2020, a pandemia foi o principal motivo para sua não realização. Sabe-se que a quebra do intervalo decenal exige esforços estatísticos para ajustes anuais que dificultam a interpretação. No entanto, realizar o Censo em 2021, depois do corte de R$ 1,76 bilhões ficou praticamente inviável, além do fato da pandemia não estar controlada. Se o Censo for realizado em 2021, os dados começariam a ser divulgados em 2022, cujos resultados poderiam afetar as eleições presidenciais. Seria esse um motivo para tanto corte no orçamento? Mesmo assim, especialistas são unânimes em enfatizar a importância de se aprovar um orçamento para que o Censo seja realizado em 2022 com qualidade e segurança.
Como se faz um Censo?
Existe uma etapa de planejamento antes do recenseador ir à campo. O corpo técnico do IBGE discute as perguntas que vão entrar no questionário (que será testado previamente). Ocorre também a preparação da base cartográfica , provas piloto e por fim o censo experimental. Além da etapa de planejamento, o censo demográfico possui 5 etapas: coleta de dados (os agentes censitários vão à campo, aplicando os questionários da amostra e do universo dentro dos domicílios); processamento de dados na qual os dados são agrupados, processados e reunidos; a avaliação é a fase em que os técnicos avaliam os dados para identificar possíveis erros na coleta ou registro de dados; a análise é a fase onde os técnicos do IBGE fazem análises mais elaboradas focando em dados de desemprego, renda, trabalho, envelhecimento, mortalidade e outros. Por fim, a quinta etapa é a divulgação das informações para a sociedade, ou seja, é um retrato completo da população brasileira.
Já parou para pensar na enorme estrutura logística de uma pesquisa que vai visitar todos os domicílios do país, incluindo a população ribeirinha, indígena e quilombolas? Além disso, o Brasil é um país heterogêneo com lugares de difícil acesso e comunidades espalhadas pelo interior vivendo em condições ainda muito precárias.
É necessária a realização de concurso para recenseador, treinamento, gastos com transporte e deslocamento, fase de testes, etc. E para piorar, num momento de pandemia descontrolada da COVID-19, é de esperar uma maior rejeição dos moradores em responder aos questionários de forma presencial. Além disso, os próprios recenseadores estão se arriscando ao se deslocar entre os domicílios, tornando-se possíveis vetores de transmissão da doença.
Alguns podem sugerir que se aplique o questionário através da Internet. Bem… vocês já pararam para imaginar as diferentes realidades do nosso país em termos territoriais e socioeconômicos? Segundo o IBGE, em 2019, 17,3% (12,6 milhões) dos domicílios brasileiros não têm acesso à internet. Dos 12,6 milhões de domicílios sem internet, 25,7% não sabiam utilizar a internet enquanto 32,9% não demostraram interesse em usá-la. Já 26,2% disseram que o serviço era caro. Por fim, em 6,8% das residências os moradores afirmaram não ter disponibilidade de rede na área de moradia. Portanto, é complicado pensar em um Censo Demográfico online atualmente.
Além do questionário completo respondido por todos os domicílios (cerca de 71 milhões) existe também o questionário amostral, aplicado para um percentual da população (aproximadamente 7 milhões de domicílios) com objetivo de coletar informações mais completas sobre temas específicos. O problema é que o questionário amostral sofreu uma redução de cerca de 25% das perguntas originais, excluindo temas sobre emigração, posse de bens de consumo, tipo de domicílio e renda de todos os moradores (dificultando o cálculo da renda per capita domiciliar que é essencial para estudar a evolução da pobreza no país). Eliminou também perguntas sobre aluguel, dificultando análises sobre o déficit habitacional do Brasil.
Além disso, os sucessivos cortes no orçamento do Censo (desde 2019) podem afetar a qualidade das informações obtidas e, com isso, prejudicar a formulação de políticas públicas guiadas pelos dados estatísticos. Alguns acreditam que os registros administrativos[1] poderiam complementar as informações do Censo. No entanto, seria preciso elaborar um cadastro completo com dados da população, empresas e domicílios[2]. Hoje isso é inviável no Brasil. Os registros administrativos ainda precisam ser mais aprimorados.
Importância do Censo
O Censo é um instrumento de planejamento urbano, de programas sociais e de políticas públicas. Como exemplo de planejamento podemos citar medidas tais como investimento em transporte público e construção de ciclovias. No caso dos programas sociais, as informações do Censo sobre população e renda permitem elaborar programas específicos para amparar as famílias mais vulneráveis (exemplo, Bolsa Família). Por fim, como instrumento de política pública ao servir de subsidio para os gestores formularem políticas públicas na área da saúde e educação.
O Censo também é visto como um instrumento de diagnóstico. Através das informações obtidas pelo questionário é possível mapear as condições da população do país em relação à saúde, educação, saneamento básico, habitação, trabalho, deslocamento, tanto na área urbana com na rural, e inclusive compreender melhor as condições de vida da população das favelas, populações ribeirinhas e dos quilombos.
É também um instrumento de avaliação de programas sociais. É por meio das informações do Censo que os órgãos de controle e fiscalização do governo podem avaliar os programas sociais. Vários órgãos do governo fazem uso das informações do Censo: IPEA, Fundação SEADE, Ministério da Saúde para criar indicadores de saúde, por exemplo.
Como elaborar estudos sem dados estatísticos? Como conhecer as condições sociais, econômicas e ambientais da população? As características dos domicílios das diferentes regiões do Brasil e o perfil da população, tão heterogêneo? O Censo demográfico traz informações sobre a composição e o perfil etário da população, sexo, escolaridade, rendimento médio, dados sobre emigração (as últimas duas excluídas do questionário).
Resultados e curiosidades dos Censos:
Por exemplo, é através do Censo que sabemos que 86% dos domicílios no Brasil são casas, 13,8% são apartamentos e 0,2% outros. Também é através do Censo e outras pesquisas, como a PNAD e POF, que se consegue informações sobre material das paredes, teto e piso, fundamentais para compreender melhor a realidade de milhões de famílias. Também é assim que sabemos quantas pessoas dormem em cada cômodo (adensamento) e quão “aglomerada” é uma casa: informação importantíssima na pandemia.
É através da pesquisa que se sabe, por exemplo, que Maria é o nome mais comum do Brasil, com 11,7 milhões de pessoas, seguido por José com 5,7 milhões. Alguém tinha dúvidas? Curioso notar que a cada 4 anos nomes de jogadores da Copa do Mundo passam a ficar mais comuns – fato também observado com nomes de personagens quando uma novela faz grande sucesso. Outra curiosidade é o mês em que mais nascem pessoas. Será que somos mesmo todos filhos do Carnaval? A verdade é que não. O mês em que mais nascem brasileiros é o mês de março, mostrando que na verdade é o quentão e a quadrilha da festa junina que contribuem para o aumento da nossa população. Também é através do Censo que saberemos a média da expectativa de vida e o perfil etário da população para fazermos cálculos precisos sobre aposentadoria.
É através do Censo que sabemos, por exemplo, que a Bahia é o estado com a maior população negra e o Amazonas com a maior população indígena; que na população rural a maioria se declara como parda. É também através do Censo que conhecemos melhor as regiões do país e saberemos onde precisa de mais uma escola, mais um posto de saúde, mais uma estrada. O Censo é importante pois é através dele que sabemos o número de habitantes de cada cidade e estado, o que impacta diretamente na distribuição de recursos da União e também na quantidade de representantes políticos no Legislativo (Câmara de Deputados, por exemplo).
É através da pesquisa domiciliar que se sabe, por exemplo, que 11 milhões de jovens entre 15 e 29 anos não estão trabalhando nem estudando, o que representa quase um quarto da população nesta faixa etária. Sabe-se também, através da pesquisa, que estes jovens não estão nessa situação por opção, mas sim, por falta de condições. Que tipos de políticas poderiam ser implementadas para resolver este problema? Destes 11 milhões, 67% são negros, reforçando ainda mais o racismo estrutural que temos no país. Outro dado importante é que 62% são mulheres, e estão nessa situação principalmente por terem que exercer cuidados com algum familiar, sejam irmãos mais novos, filhos, ou idosos da família que não podem ficar sozinhos. Este dado é um diagnóstico da falta de creches, por exemplo, que permitiria às mães saírem para trabalhar, e também da dificuldade de se encontrar emprego a depender da idade em que se teve o filho – dado que também aparece na pesquisa e poderia contribuir para políticas de redução de gravidez na adolescência.
Os resultados dos Censos são fundamentais para conhecer o presente e preparar melhor o futuro do País. Após tudo isso, perguntamos: faz senso não ter Censo?
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[1] Informações individuais (seja de pessoas, empresas, transações comerciais, etc) que servem de base para uma ação administrativa. Exemplo: número de nascimentos registrados no estado do Rio de Janeiro no mês de janeiro de 2021.
[2] https://blogdoibre.fgv.br/posts/censos-demograficos-e-o-uso-de-registros-administrativos-por-que-nao-um-sistema-integrado-de
Referências:
https://exame.com/brasil/maria-e-o-nome-mais-popular-do-brasil/
https://memoria.ibge.gov.br/historia-do-ibge/historico-dos-censos/censos-demograficos.html
https://super.abril.com.br/sociedade/infografico-em-qual-mes-nascem-mais-pessoas-no-brasil/
https://www.cordvida.com.br/blog/4-curiosidades-sobre-os-nomes-mais-comuns-no-brasil/
https://www.tvexpresso.com.br/noticia/4120/curiosidades-do-censo-sobre-raca-no-brasil
https://www.ufjf.br/ladem/2011/04/29/10-curiosidades-sobre-o-censo-2010/
LAHR, Daniel JG; MAGALHAES, Luís Felipe A. Nota Técnica sobre a Realização do Censo Demográfico 2021. 13 abril de 2021
SOUZA E SILVA, J. N. de. Investigações sobre os recenseamentos da população geral do Imperio e de cada provincia de per si tentados desde os tempos coloniaes até hoje. Relatório do Ministério dos Negócios do Império, Anexo D, Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1870. 167 f. Reimpresso em edição fac-similada, São Paulo, IPE/USP, 1986.