Banco Central da nação ou do mercado financeiro?
Acaba de ser aprovado, no Brasil, por 339 votos a favor e 114 contra, o texto-base que prevê a autonomia do Banco Central. Mas, antes de tecermos qualquer opinião sobre o tema, até porque não somos especialistas em política monetária, vamos primeiro explicar o que é o Banco Central.
O Banco Central do Brasil foi criado em 1964, isso mesmo, em plena Ditadura Militar. Suas principais funções são: emissor de papel-moeda, controlador da liquidez da economia, banqueiro dos bancos, regulador do sistema financeiro e depositário de reservas internacionais do país. Hein?
Calma, eu explico. Toda economia funciona com moedas e para isso precisa de um banco. E os bancos criam moeda e também precisam de regulação, então os bancos também têm um Banco. Entendeu?
Vamos como Jack Estripador, por partes (sorry, influência Londrina rolando aqui):
O que é uma moeda?
Com a especialização da economia (não tô falando de robôs nem iphones, apenas de uma pessoa produzir arroz e a outra, batatas), foi necessário encontrar um objeto que servisse como meio de troca. Imaginem se cada vez que eu quisesse comprar um quilo de arroz, eu tivesse que levar um saco de batata? E se o produtor do arroz não quisesse mais batatas? Eu teria que trocar batatas por dois sacos de tomate. Aí, dois sacos de tomate seriam um quilo de arroz. Mas e se, além de arroz, eu quisesse feijão? Sabe como é brasileiro né, comida é só com arroz e feijão.
Tá bem, vou no outro produtor de feijão levar batatas. Ele não quer. Posso levar 3 sacos de tomate então. Ele também não quer tomates, já trocou com o comprador anterior e não precisa de mais tomate. Então, volto na feira, troco batatas por 1kg uvas e aí as troco por feijão. Ufa! Mas 100g de uvas amassaram e então fiquei devendo 100g de uvas pro produtor de feijão que não quer mais batatas nem tomates… ai que confusão!
Bom, aí alguém teve a brilhante ideia de usar uma coisinha aceita em todos os lugares como meio de troca. Essa coisinha se chama moeda e meio de troca é sua primeira função. Calma, moeda tem mais de uma função? Sim, vou explicar.
Após ser concordado que todos aceitariam moeda para trocar suas mercadorias, precisamos especificar um preço para as coisas. Então, um quilo de arroz vai custar 2 moedas; um saco de batata vai custar 2 moedas; tomates vão custar 1 moeda (preciso de dois sacos de tomate para um kg de arroz, lembra?); feijão custará 3 moedas; e a uva custará 3 moedas (esse exemplo não tem qualquer comprometimento com a realidade). Agora, que as uvas amassaram, o moço do feijão pode me dar uma parte do troco em moeda, já que ela é divisível.
Então tá: meio de troca estabelecido, unidade de conta (preços) estabelecidos. Mês que vem é aniversário da minha vó e queria dar-lhe flores. Não adianta comprar flores agora, vão estragar. E flores são caras. Então, o que eu faço? Guardo umas moedas esse mês e outras mês que vem, para poder juntar moedas suficientes para dar um presente para a vovó. Taí a outra função da moeda: reserva de valor.
Recapitulando. Precisamos de moeda para facilitar as trocas no mercado. E as moedas têm 3 funções: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Mas o que vamos escolher para ser a moeda? Ela precisa de algumas características, tais como ser divisível (poder dar o troco), durável (de que adianta eu ter uma uva como moeda? Ela estraga rápido…), difícil de falsificar e que tenha custo de estocagem e transação baixos. Imagina cada vez que eu quiser comprar uma flor para a vovó, ter que levar 3 kg de algodão?
Então, começamos a usar pedacinho de metal como moeda. E depois, pedaços de papel difíceis de serem falsificados. E hoje em dia, cartões de débito que tiram as moedas direto da sua conta e transferem para a conta do vendedor. Já foi usado sal, conchas marinhas e até prata e ouro como moeda. Atualmente usamos as moedinhas de metal mesmo, o papel-moeda e, às vezes, até aplicativo de celular para pagar as coisas. Hoje em dia também temos as criptomoedas, mas isso vai ser tema de um próximo artigo com especialista em economia monetária.
Mas e o Banco Central, onde entra nisso tudo? Calma, eu não disse que o Bacen só foi criado em 1964? Estamos chegando lá…
Bom, aí uma galera começou a ficar muito rica e não tinha mais como guardar tantas moedas em casa (nem dava para esconder tudo no quintal, tipo Pablo Escobar). Criou-se o banco. Os bancos oferecem o serviço de segurança do nosso dinheiro, da praticidade de poder retirá-lo a qualquer momento e de fazer pagamentos.
E os bancos também criam moeda. Como? Vamos por partes, tipo cebola (sorry, falar de arroz e feijão deu fome).
Você vai ao banco e deposita seu salário = 100 moedas. O produtor de flores começou a ficar rico e precisa abrir uma nova loja, mas ainda não tem dinheiro suficiente para isso. Então, ele vai ao banco e pede um empréstimo. O banco empresta 50 moedas para ele, e ele promete daqui a dois meses pagar de volta 55 moedas. Agora, o banco que só tinha 100 moedas tem também 55 de crédito com o florista. Viu, 100 moedas se transformaram em 155. Assim, feito mágica. Mas e se você quiser ir ao banco e pegar 70 moedas, para pagar seu aluguel? O banco emprestou 50 das suas moedas pro florista e ainda não recebeu as 55 de volta. Por sorte, é um banco grande e o vendedor de uvas também depositou moedas lá, então você conseguiu pegar 70 para pagar o aluguel.
Mas, para que isso não saia do controle, os bancos precisam de um Banco. E, assim, cria-se a necessidade de um Banco Central, cuja primeira função é ser Banqueiro dos Bancos. Ou seja, ele regula os bancos comerciais e instituições financeiras para proteger os depósitos dos clientes e serve como emprestador de última instância caso os bancos não consigam cumprir com suas obrigações.
Outra função dos bancos centrais é ser Regulador do Sistema Monetário e Financeiro e para isso exige que os bancos deixem um valor mínimo em seu cofre (chamado de compulsório). Isso serve para impedir que os bancos se exponham excessivamente a situações de risco, evitando assim uma crise (tipo aquela que teve nos EUA em 2008, sabe?).
A terceira função do Banco Central é ser Emissor de Papel-moeda e Controlador da Liquidez. Ou seja, o Bacen é quem detém o monopólio da emissão de moeda do país (ou região, no caso da Zona do Euro) e controla a quantidade de dinheiro em circulação. Isso tudo para manter a segurança e confiabilidade da moeda nacional. Imagina se cada um pudesse produzir sua própria moeda em casa? Qual aceitar? Em quem confiar?
Também, é através das operações de redesconto e open-market (aumento e diminuição das taxas de juros, compra e venda de títulos) que Bacen consegue controlar a quantidade de moeda em circulação. Pra quê? Pra controlar a inflação e a taxa de câmbio, por exemplo.
A última função dos bancos centrais é ser o Depositário das Reservas Internacionais. Isso significa que ele controla a quantidade de moeda internacional que temos no nosso país e pode também vendê-las ou comprá-las no mercado para influenciar a taxa de câmbio. Claro que essas reservas não ficam lá paradas, elas são investidas para render juros.
Agora que entendemos o que é e para quê serve o Banco Central, vamos falar do Conselho Monetário Nacional (CMN). O CMN também foi criado em 1964 e é responsável por formular a política da moeda e de crédito, definindo, por exemplo, as metas de inflação que o Banco Central deve cumprir. Atualmente a meta de inflação do Brasil para 2021 e 2022 está, respectivamente, em 3,75% e 3,5% com margem de 1,5% para mais ou menos. Na prática, poderá ser de até 5,25%.
O CMN era formado pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e pelo presidente do Bacen. Com a junção destes ministérios em Ministério da Economia, hoje em dia o CMN é formado pelo ministro da Economia, presidente do Bacen e um secretário especial da Fazenda.
E o que a votação da autonomia do Banco Central do Brasil traz como consequências? De acordo com a economista Monica de Bolle, da John Hopkins University, em Washington DC, há lados positivos e negativos nisso. Como positivo ela aponta que a influência política no Bacen deverá ser diminuída, e como negativo ela aponta que a abertura das contas em dólares no Brasil equivale a abrir espaço para a dolarização da economia, como acontece nos nossos vizinhos Argentina e Equador. Pedro Rossi, professor da Unicamp, aponta também como ponto negativo que a influência do mercado financeiro no Bacen irá aumentar, fazendo assim com que os interesses financeiros fiquem à frente dos interesses da população. De Bolle, no entanto, argumenta que essa influência já existe hoje em dia.
Países como Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Chile e México têm Bancos Centrais independentes. Para os especialistas liberais, essa independência traz mais credibilidade à nação e sua política monetária, trazendo mais investimentos no setor produtivo, refletindo em mais empregos para a população.
Norberto Montani, professor da UFRJ, alega que a autonomia do Bacen aumentaria a desigualdade. Ele se baseia em um estudo do Banco Mundial publicado em Janeiro de 2021 (ou seja, bem recente) que traz dados de 1980 a 2013 mostrando o aumento da renda dos 10% mais ricos e diminuição da renda dos 10% mais pobres e relaciona a independência do Banco Central com o aumento da desigualdade por meio de três mecanismos, são eles:
(i) a independência do banco central restringe a política fiscal e reduz a habilidade governamental para a redistribuição
(ii) a independência do banco central incentiva o governo a desregular os mercados financeiros, que aumentam os valores dos ativos, que estão majoritariamente nas mãos dos ricos e podem, eventualmente, até gerar crises
(iii) para conter surtos inflacionários, os governos promovem políticas que enfraquecem o poder de barganha dos trabalhadores.
Novamente, não há uma única opinião sobre o tema, como tudo em Economia. Aguardemos o resultado da votação e seus efeitos na economia brasileira para podermos opinar melhor.
Referências:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-06/cmn-fixa-em-325-meta-de-inflacao-para-2023
https://sites.google.com/view/osfufrj/blog
https://diplomatique.org.br/o-banco-central-ideal/
https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/opiniao-jose-serra-autonomia-do-bcb/
https://conteudos.xpi.com.br/aprenda-a-investir/relatorios/cmn/
Natassia Nascimento, graduada em Ciências Econômicas pela UFRJ, Mestrado em Economia pela UFF. Atualmente é Doutoranda em Economia pelo Instituto Economia da UFRJ. Tem experiência na área de Economia do Setor Público, com ênfase em Economia dos Programas de Bem-estar Social, atuando principalmente nos seguintes temas: tributação da riqueza, desigualdade, estrutura tributária, imposto sobre a riqueza e distribuição de renda.
Excelente. Um artigo claro, imparcial e que nos leva à reflexão. Parabéns à autora e ao “el periférico”!
Que bom que gostou! A ideia é essa, espalhar conhecimento e reflexão sobre os temas econômicos da América Latina. Volte sempre =)
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