A UFRJ PEDE SOCORRO!

Acabou o dinheiro ou estão tentando sucatear as universidades públicas no Brasil?

Nos últimos dias foi noticiado[1] que a maior universidade do Brasil, a UFRJ, poderá fechar devido à falta de financiamento. O que exatamente isso significa? Vamos tentar explicar um pouco, falando sobre o problema do financiamento das Universidades Federais e os sucessivos cortes no orçamento das universidades.

QUEM É A UFRJ?

Criada pelo presidente Epitácio Pessoa no dia 7 de setembro de 1920, a UFRJ foi a primeira universidade do Brasil (conhecida como Universidade do Rio de Janeiro). Ela reunia as escolas de Engenharia, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito. Posteriormente, passaram a fazer parte dela a Escola Nacional de Belas Artes e a Faculdade Nacional de Filosofia. Curioso que em 1918 começou a pandemia da gripe espanhola que acabou chamando atenção para a necessidade de se ter uma universidade que realizasse pesquisas de forma mais consistente (não é à toa que, hoje, várias universidades do Brasil estão pesquisando vacinas contra a COVID 19, tratamentos para a doença e equipamentos de segurança… viva a “balbúrdia!”).

Em 1937, por causa de uma lei, a instituição mudou de nome para “Universidade do Brasil”. Eram 15 faculdades que integravam a instituição. Em 1965, ela passou a se chamar Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A logo da UFRJ é a deusa romana Minerva, que é conhecida como a deusa das artes e de todos os ofícios. Ela também é conhecida como a deusa da sabedoria e do conhecimento.

Atualmente, a UFRJ possui uma estrutura enorme com 4 campus: a Cidade Universitária (Fundão), a Praia Vermelha (Urca), Macaé e o Complexo Avançado de Xerém; além das unidades de ensino localizadas no centro do Rio de Janeiro: IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) Faculdade Nacional de Direito, Observatório do Valongo (vinculada ao Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza CCMN) e a Escola de Música.

A UFRJ hoje é responsável também por um complexo hospitalar[2] com 9 unidades de saúde, 13 museus, 1.456 laboratórios, 1.863 projetos de extensão, 14 prédios tombados, 45 bibliotecas e 1 Parque Tecnológico[3] de 350 mil metros quadrados (ambiente de inovação que permite a interação entre a universidade e as empresas). Em relação aos funcionários, a UFRJ conta com mais de 4 mil docentes, 3 mil servidores que atuam em hospitais e 5 mil técnicos-administrativos[4].

COMO FUNCIONA SEU FINANCIAMENTO?

As verbas destinadas ao ensino superior são de responsabilidade do MEC. No entanto, algumas universidades possuem recursos próprios provenientes de prestação de serviços, venda de patentes e taxas de vestibulares.

Semana passada, a UFRJ apresentou sua situação financeira para a imprensa. Desde 2013, o orçamento discricionário vem apresentando drásticas reduções. Mas, o que é orçamento discricionário? São as verbas destinadas aos gastos com custeio (água, luz, serviços de segurança e limpeza, internet etc.) e investimento (infraestrutura física, obras e equipamentos). Já as despesas obrigatórias das Universidades incluem as despesas de pessoal e encargos sociais. As despesas com bolsas de pesquisa são de responsabilidade da Capes e do CNPQ, por sua vez, estas fazem parte das despesas discricionárias destes órgãos.

No final de abril, o MEC anunciou um bloqueio de R$ 41,1 milhões das despesas discricionárias da UFRJ. Como mostra o gráfico abaixo, as despesas discricionárias vêm sofrendo sucessivos cortes desde 2013.

Fonte: Sintiufrj / UFRJ

Em 2008, cerca de 34 mil alunos de graduação estavam matriculados na UFRJ. Atualmente, o número de estudantes fica em torno de 65 mil[5]. Em parte, esse aumento no número de vagas se deve ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Portanto, esses sucessivos cortes acabam sendo uma incoerência dado o aumento no número de alunos (ou será uma tentativa clara de SUCATEAR o ensino superior público e gratuito?).

Outro problema observado na última década foram os sucessivos incêndios ocorridos nos prédios da UFRJ (a capela, a reitoria, o Museu Nacional, dentre outros[6]). Ora, com a redução de gastos de custeios é de se esperar que a manutenção piore, o que facilita, por exemplo, o curto-circuito em prédios antigos e históricos como os da UFRJ.

Dos 299 milhões disponíveis em 2021, R$ 146, 9 milhões foram liberados para a UFRJ dos quais 65,2 milhões já haviam sido utilizados, restando R$ 81,7 milhões. Logo, 152,2 milhões estavam indisponíveis aguardando a autorização do Congresso Nacional. Para piorar a situação, o MEC decidiu cortar R$41 milhões o que acabaria por inviabilizar o funcionamento da UFRJ a partir de julho de 2021.

 

Fonte: Sintiufrj

A UFRJ não é apenas um estabelecimento de ensino de nível superior onde os alunos estudam para conquistar um diploma, mas sim uma instituição de criação e disseminação de conhecimento. As universidades públicas abrangem todas as áreas de conhecimento humano envolvendo ensino, pesquisa e extensão[7]. A UFRJ é reconhecida pela sua qualidade de ensino e por sua contribuição para o desenvolvimento econômico e social do país. Você sabia que as universidades costumam oferecer serviços para a comunidade de fora? A UFRJ, por exemplo, oferece serviços de saúde (hospitais universitários), cursos de língua a preços acessíveis (faculdade de letras) e serviços culturais (mostras de teatro)[8]. Segundo a reitora da UFRJ, Denise Pires, além das pesquisas desenvolvidas dentro da Universidade, os laboratórios vêm desenvolvendo pesquisas de vacinas para a COVID 19 e os hospitais universitários atendem pacientes diagnosticados com COVID 19. Como manter tudo isso com tanta redução no orçamento?

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Como será o retorno ao ensino presencial com esses sucessivos cortes nas despesas discricionárias? Para funcionar, a Universidade precisa gastar com manutenção, limpeza, produtos de higiene e proteção (devido à pandemia), entre outros. A crise econômica e o aumento da desigualdade social acabam fazendo com que algumas universidades aumentem seus gastos com assistência estudantil. Com o retorno das aulas presenciais, os serviços de alimentação (o famoso bandejão) também serão retomados, afinal, os estudantes precisam se alimentar a preços acessíveis.

Dia 14 de maio, o Ministério da Economia anunciou a liberação de R$ 2,1 bilhões para as instituições de ensino superior[9]. Segundo Edward Madureira Brasil, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), esses recursos deverão durar cerca de 2 meses, não sendo suficiente para chegar até o final do ano[10].

Por que tanto corte em gastos sociais?

A verdade é que a política de austeridade fiscal tem levado a sucessivos cortes no orçamento do governo, inclusive redução do orçamento das universidades federais. É muito comum a grande mídia vender a ideia de que “acabou o dinheiro”; o país “está quebrado”; que temos que fazer um ajuste fiscal para voltar a crescer, e que o país não pode continuar se endividando (a velha e falsa analogia do governo com a família – dona de casa que tem um orçamento limitado para gastar). Essa ideia é baseada na teoria da escola da síntese neoclássica. A política fiscal teria como objetivo principal garantir a sustentabilidade da dívida pública garantindo a estabilidade dos indicadores macroeconômicos (inflação, juros). Isso traria credibilidade ao governo elevando as expectativas dos agentes econômicos, com isso, aumentando o investimento e o crescimento econômico[11]. Nesta teoria, o aumento do gasto público gera aumento da dívida pública. Outras correntes, como a Keyensiana, acreditam que o déficit primário é decorrência da crise econômica e da consequente queda da arrecadação de receitas por parte do governo (menor crescimento econômico, menos tributos arrecadados pelo governo, maior desemprego, menos contribuição para o INSS). Para se aprofundar mais no tema, sugiro a leitura da série: a miragem do liberalismo.[12]

ORÇAMENTO DO MEC PARA O ENSINO SUPERIOR EM R$– BRASIL (2016 – 2021)

Fonte: Siga Brasil

Pois bem, boa parte dos recursos da União vem sendo destinados ao pagamento da dívida pública. Entre 2003 e 2019, foram destinados cerca de R$ 20,095 trilhões para o pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública. Só com juros, encargos e amortizações a União gastou R$ 8,4 trilhões. Esse valor é 11 vezes maior do que o total destinado às universidades no mesmo período[13].

A verdade é que está ocorrendo um desmantelamento das políticas sociais e do sistema de bem-estar social através das políticas de austeridade fiscal. No Brasil, observa-se a expansão do ensino privado e dos planos de saúde, ou seja, é um período de mercantilização dos serviços como educação e saúde (mas isso será tema de um próximo texto).

A aprovação do teto dos gastos (EC 95) em 2016 piorou ainda mais a situação. No caso da educação, o governo federal manteve o mínimo de 18% da RCL de 2017 corrigido apenas pelo IPCA[14]. Após as eleições de 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente, os ataques às Universidades públicas aumentaram. Um exemplo do que foi dito é que, em 2019, o ex-ministro da educação, Abraham Weintraub disse, sem apresentar provas, em uma entrevista que havia plantação extensiva de maconha nas universidades federais, além de ameaçar cortar verbas de Universidades que, segundo ele, eram centros de “balbúrdia” com baixo desempenho acadêmico.

Nesse mesmo ano (2019), o presidente Jair Bolsonaro se referiu aos estudantes da seguinte maneira: “militante, não tem nada na cabeça, são uns idiotas inúteis e uns imbecis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil”. Sem falar nos constantes ataques aos cursos de Ciências Humanas tais como Sociologia e Filosofia. O MEC apresentou uma proposta de programa chamada Future-se que tinha como objetivo criar Organizações Sociais (lembra dos escândalos das OS na saúde?) para gerir os recursos das universidades além de cobrar mensalidades dos alunos dos cursos de pós-graduação. 

As universidades também têm sofrido ataques através da circulação de fakenews (fotos de pessoas peladas que estariam protestando nas universidades, boatos sobre a construção de uma estufa agrícola para plantação de maconha). Ou seja, a luta contra o sucateamento das universidades federais hoje é mais difícil do que há uns anos. Mas apesar de tudo, as universidades federais continuam obtendo êxito. Em 2021, um levantamento do Webometrics Ranking of World Universities [15]classificou a UFRJ como a melhor universidade do Brasil e a única da América Latina a estar presente no ranking das 250 melhores universidades do mudo. Os três indicadores utilizados foram: visibilidade (para medir o impacto do conteúdo na internet); excelência (principais artigos citados) e transparência (principais pesquisadores citados).

CONCLUSÃO

Apesar de toda a relevância e contribuição das Universidades Federais para o desenvolvimento do país, o funcionamento delas está cada vez mais ameaçado. Quando o mundo todo parece estar abandonando as políticas de austeridade fiscal (plano Biden, por exemplo) para alavancar a economia e combater aos efeitos da pandemia do COVID 19, o Brasil segue na contramão, preso às ideias do neoliberalismo da década de 90. Para piorar, temos um governo que nega o conhecimento e a ciência!!! Além da UFRJ, outras universidades federais (Unifesp, UFG, UNB) também enfrentam o risco de paralisar suas atividades devido à falta de verbas[16]. Como vimos, essa redução no financiamento das universidades é proposital, uma tentativa clara de sucatear o ensino público superior dando espaço para o crescimento cada vez maior das universidades particulares.

CURIOSIDADES

Entre os famosos que estudaram na UFRJ, destacam-se o arquiteto Oscar Niemeyer e o pintor Cândido Portinari que estudaram na Escola Nacional de Belas Artes. A escritora Clarice Lispector se formou na Faculdade Nacional de Direito em 1943. O poeta Vinícius de Moraes e o escritor Jorge Amado também frequentaram a escola de Direito da UFRJ. Dizem também que o sambista Noel Rosa frequentou a escola de Medicina da UFRJ.

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Notas

[1] https://ufrjoficial.medium.com/ufrj-esclarece-motivos-para-possibilidade-de-paralisar-atividades-em-julho-69ab4d045a9

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/05/12/ufrj-so-tem-verba-para-custeio-ate-julho-e-pode-fechar-predios-e-desativar-servicos.ghtml 

[2] http://www.ch.ufrj.br/

[3] https://www.parque.ufrj.br/

[4] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/09/07/de-uma-pandemia-a-outra-ufrj-faz-100-anos-como-uma-das-principais-potencias-cientificas-do-brasil.ghtml

[5] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/09/07/de-uma-pandemia-a-outra-ufrj-faz-100-anos-como-uma-das-principais-potencias-cientificas-do-brasil.ghtml 

[6] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-09/ufrj-tem-historico-de-incendios-nos-ultimos-anos

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/04/incendio-atinge-reitoria-da-ufrj.shtml

[7] https://fia.com.br/blog/universidades-publicas/

[8] As universidades públicas em geral costumam oferecer serviços para a sociedade. A UFF e a UFRRJ por exemplo possuem centros de atendimento para animais domésticos.

[9]https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-05/governo-libera-r-261-bilhoes-para-universidadesfederais#:~:text=Embora%20sejam%20definidos%20como%20n%C3%A3o,de%20pr%C3%A9dios%20e%20de%20equipamentos.

[10] https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/05/14/folego-de-no-maximo-dois-meses-governo-libera-r-259-bilhoes-para-universidades-mas-ainda-ha-recursos-bloqueados.ghtml

[11] Texto para Discussão. A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Esther Dweck e Rodrigo Alves Teixeira. Junho 2017

[12] https://www.elperiferico.com/a-miragem-do-liberalismo/

[13] Luiz Fernando Reis e Epitácio Macário. DÍVIDA PÚBLICA E FINANCIAMENTO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS E DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL (2003-2020). Revista Praxis Educacional. Vitória da Conquista – Bahia – Brasil, v. 16, n. 41, p. 20-46, Edição Especial, 2020

[14] https://www.revistas.ufg.br/interacao/article/view/62189/35436

[15] https://www.webometrics.info/en

[16] https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/ensino-superior/2021/05/4923926-alem-da-ufrj-outras-universidades-correm-o-risco-de-fechar-por-falta-de-verba.html

REFERÊNCIAS

https://asmetro.org.br/portalsn/2020/09/08/ufrj-100-anos-nossa-historia-e-o-seu-futuro/

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/05/12/ufrj-so-tem-verba-para-custeio-ate-julho-e-pode-fechar-predios-e-desativar-servicos.ghtml

https://open.spotify.com/episode/1mdemFoYL5ouBjE5LeQREO?si=0KZNOVnvQxK3rDESZokKnA&dl_branch=1&nd=1

https://sintufrj.org.br/2021/05/orcamento-real-de-2021-da-ufrj-e-o-mesmo-de-2008/

https://ufrjoficial.medium.com/ufrj-esclarece-motivos-para-possibilidade-de-paralisar-atividades-em-julho-69ab4d045a9

https://www.aosfatos.org/noticias/desenhamos-fatos-sobre-o-orcamento-das-universidades-federais/

https://www.youtube.com/watch?v=4gmgrmgtyZE

https://pt.wikipedia.org/wiki/Stuart_Angel_Jones

https://www.webometrics.info/en

https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/ensino-superior/2021/05/4923926-alem-da-ufrj-outras-universidades-correm-o-risco-de-fechar-por-falta-de-verba.html

CHESNAIS, F. A globalização e o curso do capitalismo de fim-de-século. Economia e Sociedade, Campinas, (5):1-30, dez.1995.

Texto para Discussão. A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Esther Dweck e Rodrigo Alves Teixeira. Junho 2017

Leher, R., & Santos, M. R. S. dos. (2020). FINANCIAMENTO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS – DETERMINANTES ECONÔMICOS E POLÍTICOS. Revista Inter Ação45(2), 220–239. https://doi.org/10.5216/ia.v45i2.62189

Luiz Fernando Reis e Epitácio Macário. DÍVIDA PÚBLICA E FINANCIAMENTO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS E DA  CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL (2003-2020). Revista Praxis Educacional. Vitória da Conquista – Bahia – Brasil, v. 16, n. 41, p. 20-46, Edição Especial, 2020

 

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Tassia Gazé Holguin é economista com mestrado em saúde coletiva pela UFRJ e doutorado em economia pela UFRJ.
Atualmente, trabalha na coordenação das Contas Nacionais no IBGE, sendo uma das responsáveis pela Conta Satélite de Saúde.
Tem experiência na área de economia da saúde.